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Uma legista e muitas histórias

No Dia do Legista, uma homenagem à primeira mulher a realizar necropsias no Estado

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Arte digital em Homenagem ao dia do Legista. Lê-se: "Não é fácil descobrir a causa de uma morte, mas ajudar a esclarecer um crime é muito gratificante" frase dita por Ivone da Silva,. Uma foto atual da 1ª médica-legista do RS e sua identificação do IGP.
Os peritos médicos-legistas desempenham papel fundamental no IGP - Foto: Arte Cíntia Rushel/SSP

O caminho para que Ivone, nascida no pequeno município de Erval, em 1932, se transformasse na primeira médica a atuar como legista no Rio Grande do Sul foi de superação. A começar pela família. O pai queria que ela cursasse Letras, profissão que na época, “tinha mais a ver com mulheres”. E assim ela fez: a professora primária deu aulas na escola Simões Lopes Neto, em Pelotas. Anos mais tarde, morando em Porto Alegre, fez vestibular escondido para Medicina, e ingressou na Universidade Federal do RS (Ufrgs).

Já formada, encontrou um amigo que falou sobre um concurso para o Instituto Médico-Legal, o IML, que fazia parte da Secretaria de Segurança Pública. “Deixa eu me exibir um pouquinho: passei em primeiro lugar”, conta ela. Veio então o segundo momento em que valores tradicionais precisaram ser deixados de lado para que a construção da sua biografia seguisse quebrando barreiras. O IML nunca tinha abrigado uma perita médico-legista, e havia uma certa resistência para isso. Mas um diretor da época insistiu que ela seria útil para fazer os exames de conjunção carnal em moças, que procuravam o local após denúncias pouco convincentes de estupro.

Foto do documento de identificação do IGP da primeira médica-legista do RS.
Carteira de aposentada da dona Ivone, expedida em 1998 - Foto: Arquivo Pessoal

Ivone foi nomeada em 16 de Março de 1973. Revezava os plantões com atendimentos como anestesista em três hospitais da capital. “Pela manhã, eu acompanhava as cirurgias, via os tumores e doenças nos pacientes. À tarde, encontrava casos semelhantes em pessoas que já haviam morrido. Isso era muito educativo”, recorda.

Um dos momentos mais marcantes do período como legista foi o histórico incêndio nas lojas Renner. Ela estava de plantão naquele 27 de abril de 1976, quando 41 pessoas morreram e outras sessenta ficaram feridas. “O número que ficou na minha cabeça foi de 23 vítimas à espera de necropsia. Eu não daria conta sozinha. Mas não precisei dar nem um telefonema. Assim que a notícia se espalhou, meus colegas foram me ajudar”, lembra ela. No dia seguinte, já na folga do plantão, foi a vez de Ivone se apresentar voluntariamente para seguir identificando a causa da morte das vítimas.

Uma cena frequente e que sempre a deixava perplexa eram os jovens mortos em acidentes de motocicleta, principalmente aos finais de semana. Ivone afirma que a experiência fazendo as necropsias em jovens saudáveis, que morriam tão brutalmente, a fez refletir e crescer espiritualmente. “Até hoje não sei definir o que é vida. É muito efêmera, foge ao nosso controle. Nós somos muito frágeis, mas não acreditamos na nossa fragilidade. A gente não se cuida como deveria”, sentencia, com a experiência de quem já completou 88 anos.

Naquela época, todas as mortes que não aconteciam em hospitais precisavam passar por necropsia. Vem daí o conselho que Ivone gostaria de passar para os peritos mais jovens. “Conversem com as famílias. Explicar a causa da morte traz muito conforto aos familiares, ajuda a recuperar do trauma e faz com que o legista se sinta útil”.

Ivone ficou no IML até se aposentar, em 1989. Diz que foi feliz na profissão, e que se considera uma vencedora. “Não é fácil descobrir a causa de uma morte, mas ajudar a esclarecer um crime é muito gratificante”.

Texto: Angélica Coronel/IGP

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